quarta-feira, 14 de março de 2018

UM CONTO - II




– Oi.
– Oi.
– Adorei aquele dia o sorvete com você – ela disse e ele reparou que ela estava linda.
– Eu também. Mas sobretudo a companhia.
– Oh, obrigada.
Riram. Timidamente. Todas as histórias de amor – reais ou fictícias – começam assim: com “ois” e tímidos sorrisos. E, ai, como são bestas! Se não fossem bestas, não seriam histórias de amor. (Fernando Pessoa disse algo assim. Mas dane-se Fernando Pessoa.) Se os apaixonados soubessem, não passariam disso. Depois vêm as dúvidas, os medos, os ciúmes, as brigas, as reconciliações dramáticas e, se o amor sobreviver a todas essas provas, o longo e melancólico definhamento do tédio a dois.
– Bem, agora que eu entrei na sua história – ela prosseguiu –, qual é o próximo capítulo?
– O próximo capítulo? Não pensei ainda. Mas acho que é assim: eles se encontram dois dias depois no mesmo corredor da universidade. Aí ela diz que gostou muito do sorvete com ele e pergunta sobre o próximo capítulo.
– Acho que você está improvisando essa história...
– Às vezes o escritor sabe o que está escrevendo, outras vezes não. Como na vida, tem horas que é melhor seguir a intuição.
– E o que a tua intuição diz?
– Diz que ele deve convidar ela para um café agora.
– Aprovado. Está muito frio para um sorvete hoje.
Meu Deus, como é dura a vida de narrador... Narrador sabe tudo. Sabe que depois deste café inocente haverá outro, menos inocente, e depois será uma cerveja, e numa noite mais fria ainda um vinho tinto e doce (porque ela só toma vinho doce). E haverá um cinema, uma peça de teatro, o lançamento de um livro, longas horas de conversa nas redes sociais madrugada adentro, e um hotel no centro da cidade, e dúvidas, e medos, e ciúmes, e brigas, e reconciliações dramáticas e, se o amor sobreviver a tudo isso, o longo e melancólico definhamento do tédio compartido. Ou então – por que não? – haverá um rompimento. E eles ficarão anos sem se ver. Então um belo dia eles se cruzam numa festa, numa recepção, num encontro de trabalho. Eles estão separados (de outros, porque não casaram entre si), recasados e com filhos já grandes. Depois do reconhecimento, novamente a insegurança (“ela vai me achar velho”, “ele vai me achar gorda”), mas as conversa, movida a um excelente Bordeaux, evolui de insignificâncias (“fiz doutorado na França”, “meu marido é engenheiro”) a confissões (“nunca te esqueci”, “você foi o amor da minha vida”).
– Me lembro de como você era distraído...
– Me lembro daquele sorvete...
– E daquele café...
– E de como você tinha medo na primeira noite...
– E de como você estava linda...
– Agora está tudo caído.
– Que nada, você está ótima.
– Você também.
– Bondade sua.
Riram. Um riso tímido como vinte anos atrás. No entanto, nada acontece. Cada um volta para sua casa ou seu hotel. Trocam algumas mensagens. Depois perdem novamente o contato. O tempo de os dois serem felizes tinha passado. Fora naqueles dias de sorvete e café e o primeiro beijo e o primeiro suspiro de saudade. Mas agora eles ainda estão no café. O tempo não transcorreu ainda. E eles não sabem de nada do que vai acontecer. Não sabem das dúvidas, dos medos, dos ciúmes, das lágrimas vertidas no travesseiro à noite, das reconciliações dramáticas e do rompimento final. Não sabem também do reencontro vinte anos depois. Não sabem da dor imensa que vão sentir, depois desse reencontro, ao voltarem para os seus quartos sozinhos e constatarem que o tempo de serem felizes passou e eles o desperdiçaram por causa de um orgulho idiota. Não, não sabem de nada. E é bom que não saibam. Deixemo-los então tomando um café expresso e trocando tolos sorrisos. Ah, como é dura a vida de um narrador onisciente!

Otto Leopoldo Winck


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