sexta-feira, 3 de novembro de 2017

trilha



da cova de allan poe
e do corvo preso
às estátuas sem sangue
secas da história
atravessando por
um bote
de
vidro
pela juventude
espessa como
uma veia feita suco
depois como
e argila
sendo quebrada
à beira de um rio
como criança
movendo peças
de xadrez que
são mísseis
relações
faces
epitáfios de
seres ignorados
ou célebres
mulheres que cultivaram
plantações de brincos
enquanto
em cestas
viajavam seus
recém nascidos
através do mesmo
caminho
das fotografias
na sala de jantar
depois aos 17 anos
olhando o reflexo
através das colheres de sopa
enquanto se discutia
sobre a permanência dos
crucifixos
nos palácios da justiça
depois as nuvens
os koans
entristecidas memórias
de poetas publicadas
em papel verge
o baseado
fumado em apocalipse 16
ao som de jimi hendrix
as folhas do lago
movendo-se
movendo-se
como joaninhas
besouros pintados
sobre o lençol do céu
a mureta de arame
seu esqueleto vagabundo
onde namorados se apoiam
onde nunca me apoiei
buda
e seus poemas
sobre a dissolução
do mundo visível
sobre a impermanência da
vida
da morte
da própria impermanência
e o
abismo cravado
nos olhos cedos do amanhecer
pequenos pores-do-sol
que cultivei
com os olhos petrificados
algumas vezes
preso entre as portas
de um carro
abraçado à um garoto
enquanto
o mundo distribuía seus vasilhames
de ódio
aos seres sencientes
depois a queda
direta queda
no furo da agulha
e a barba de walt whitman
descendo até o poço de meu peito
ó folhagem perfumada de meu peito, ele dizia
lá fora
acontecendo os campos
acontecendo a concepção
e a morte
o nascimento dos veículos
e a criação da eletricidade
depois a lembrança
do primeiro beijo
e a vitrola kind of blue
conhaque barato
o sofá preto com
a sombra de um gato
e as cinzas
de setecentos cigarros
fumados desde
a execução de joana d´arc

você sabe
eu não estive lá
mas todo o ponto
passa através de mim
e retorna
para outro que não
sou eu
depois os versos
as flores de néon
a busca de uma
santificação artificial
as esculturas de
utensílios de cozinha
a morte de roberto piva
breton
dalí
ginsberg
miró
bob dylan
gide
lou reed
perét
drummond
e outras caveiras de janela
velando o sono
intranquilo dos
miseráveis do amor
dos chicoteados
dos olhos extremos de um continente
das navegações impróprias
através da xícara de um café
sendo humilhado
pelos que passam do outro lado da vitrine
as moscas
os que nunca entrarão em cavernas
os que usam cinto de segurança
para conter
a emoção
do grito
e a aniquilação do orgasmo
vendo
o assassinato coletivo
dos cérebros
sem um único resistente
a moldura de
ouro puro
para glorificar
uma lei qualquer
o subterrâneo aleijado
dos que vagam através das portas
desprendidas
pela onda pessoal de um
poeta
ciclos intermináveis
de adolescentes solitários
comendo as bordas amarelas
de
livros
enquanto seus amigos
tomam milk shake
criptas veneradas
mais que testes vocacionais
xilogravuras
penduras em postes urbanos
uma janela nascida
do asfalto
com visão para
qualquer parte
tolos querendo subir
através das escadas do emprego
rezam
para comer algum tipo de gravata
servida em sua salada
depois olham
para o corpo plastificado
de suas esposas
e choram


Augusto Meneghin

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