segunda-feira, 24 de julho de 2017

Trecho de um work in progress meu:

"Acho que foi um contágio mundial, facilitado por uma comunicação agora via satélite. Bastava olhar as manchetes nas bancas de revistas, ouvir os noticiários do rádio, assistir aos telejornais. Não importa se em Nova York, Paris, Praga, Tóquio, Rio de Janeiro ou Cidade do México, lá sempre você via um jovem atirando uma pedra, sendo espancado pela polícia, levantando barricadas ou incendiando automóveis. A rebelião era mundial, planetária, total: um cataclisma cósmico que abalava o mundo até os seus fundamentos. Você não queria apenas testemunhar a história, que se fazia, ao vivo, na sua frente, mas participar dela, intervir nela, estar nela. Entre jeans, minissaias e tragadas de marijuana, o velho mundo de nossos pais ardia em chamas e desse incêndio colossal nasceria um mundo novo, inaudito. Sejamos realistas, peçamos o impossível – era o lema que amanhecia nos muros de uma Paris sublevada pelos jovens. Pois a vanguarda dessa revolução não eram mais os camponeses, que se extinguiam, nem os operários, que se aburguesavam (não aqui, obviamente, mas nos países industrializados), mas os garotos e garotas que, como eu, amavam os Beatles e os Rolling Stones. Não acredite em ninguém com mais de trinta anos – era outro lema. O céu estava ao alcance das mãos, o paraíso na próxima esquina, a revolução era questão de semanas. Poder jovem, poder negro, queimas de sutiã, guerras de libertação nacional, vietcongues, crimes, espaçonaves, guerrilhas, bomba e Brigitte Bardot. Nas fotos coloridas e nas letras garrafais, o mundo explodia nas bancas de revistas da Rua das Flores: A Universidade de Louvain, na Bélgica, é fechada após uma semana de conflitos entre os estudantes e a polícia, na Espanha o governo fecha as universidades de Valência e Madri, o exército invade a universidade de Maracaibo, na Venezuela, onde quatro estudantes são mortos e trezentos feridos, Martin Luther King é assassinado em Memphis, estudantes ocupam a universidade de Colúmbia em Nova York, no Central Park sessenta mil jovens protestam contra a guerra do Vietnã, dez milhões de trabalhadores cruzam os braços na França, estudantes proclamam greve na Argentina, no Uruguai o governo decreta estado de sítio após confrontos de estudantes e operários com a polícia, a Universidade de Bogotá, na Colômbia, é ocupada pelos estudantes, tanques soviéticos entram em Praga, apoio às manifestações estudantis na Cidade do México reúne cerca de trezentas mil pessoas, a polícia militar invade a Universidade de Brasília, a Universidade Federal de Minas é fechada, em Ibiúna, interior de São Paulo, o congresso da Une acaba com a prisão de oitocentos estudantes, Caetano Veloso e Gilberto Gil são presos no Rio."

Otto Leopoldo Winck

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