quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

sou uma das pessoas mais xaropes que conheço - às vezes não sei como meus amigos me toleram, deve ser seu senso de humor. mas, hoje, acordei cheio de amor pela humanidade, até dei bom dia pro vizinho e uma rodela de mortadela pro cachorro, deve ter algo de muito errado comigo, creio que pra aproveitar este meu surto de insanidade temporária, vou até escutar algum cantor bem popular, para me integrar com o povão aqui do lado, que em breve deve começar seu ensaio gospel, sim, eles começam cantando "killing me softly", estou até aprendendo a letra.

William Teca
"O primeiro personagem que o escritor cria é ele mesmo.
Só os imbecis procuram um eu atrás do texto literário. Em literatura, a própria 'sinceridade' é, apenas, uma jogada de etilo.
Um escritor medíocre não consegue ser 'sincero'. Técnica, coração.
Para ser sincero é preciso dispor das técnicas que indiquem, signem, sinceridade. Sem isso, a mais pura das explosões verbais, a mais direta, a mais 'espontânea', será apenas mais uma manifestação de imperícia literária. Um amontoado de bobagens que o tempo vai se encarregar de destinar ao lixo, onde jazem as ilusões."


Paulo Lemisnki, "Ensaios e anseios crípticos"
Como desejar votos de Ano Novo sem cair na pieguice e no lugar-comum? Então vai assim: olha, cara, te desejo um 2016 que seja como o avesso do verso e o verso da prosa. Sem flores de plástico, sem moldes, sem máscaras. Eu sei que não vai ser fácil. Viver não é para os delicados. Ainda mais agora que os fascistas saíram do armário embutido. E quando a barra estiver pesando, quando tudo parecer perdido, nada como um poema, um conhaque ou uma lua numa madrugada tardia. Nada garante que o o próximo ano vá ser melhor. Ou pior. Nada garente nada. Nesta vida, você sabe, não temos garantias. E o seguro morreu de velho. Então, se der vontade de pular fora da ponte e da vida, pense: calma, cara, o seu karma não vai melhorar nada assim. O jeito é rir um pouco e chorar: algumas lágrimas bastam pra consolar. O resto é vida. E a vida, esta bandida, ainda pode reservar momentos supimpas (eu ia escrever 'sublime' mas aí ia ser clichê demais). Que é um ano a mais senão um ano a menos? Daqui a dois mil anos (talvez 200, talvez 20, talvez menos) ninguém vai se lembrar de você. Então, menos recalque e mais amor. (Tá vendo? Não tem como escapar do lugar-comum). Feliz 2016 pra todas e todos e bora pra frente que atrás vem gente.

Otto Leopoldo Winck

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

REINICIÇÃO


Exatamente não sei
o motivo por que vim.
É verdade, desconheço
esta lei dentro da lei
que lateja aqui em mim.
Estará tudo do avesso
ou o direito é assim?
Não sei, de fato eu não sei
se o mundo está no fim
ou se é tudo um recomeço.

Otto Leopoldo Winck

INGRATIDÃO

Nunca mais me esqueci! ... Eu era criança
e em meu velho quintal, ao sol-nascente,
plantei, com a minha mão ingênua e mansa,
uma linda amendoeira adolescente.
Era a mais rútila e íntima esperança...
Cresceu... cresceu... e aos poucos, suavemente,
pendeu os ramos sobre um muro em frente
e foi frutificar na vizinhança...
Daí por diante, pela vida inteira,
todas as grandes árvores que em minhas
terras, num sonho esplêndido semeio,
como aquela magnífica amendoeira,
vão florescer nas chácaras vizinhas
e vão dar frutos no pomar alheio...


  - Raul de Leoni


CROSSROADS


Um dia, numa encruzilhada (porque essas coisas são sempre numa encruzilhada), topei com o diabo. Não tinha chifre, nem rabo, nem cheirava a enxofre. Pelo contrário, era uma linda figura andrógina, vestido muito elegantemente. Diríamos um dandy.
Deus me mandou jogar sua sorte, ele disse.
Pensei que andavam brigados...
Isso é lenda. Somos parceiros. As coisas que não dão certo eu assumo a culpa. E a fama.
Tá, e esse lance de jogar minha sorte?
Eu vou jogar essa moeda. Se der cara, você será feliz. Grana, mulheres, sucesso. Se der coroa, você vai ser um outro Dostoiévski.
Porra, não tem um meio termo?
Sem me responder, ele lançou a moeda. Depois de descrever voltas no ar, ela caiu. De pé.
Que significa isso?, eu perguntei. Vou ser os dois?
Não, ele respondeu, com um sorriso entre os dentes. Você não vai ser nem um nem outro.
* * *
E desde então eu não faço outra coisa, senão escrever esses contos merreca em guardanapos de papel. Não preciso nem explicar que ando sem um puto no bolso.

Otto Leopoldo Winck
enquanto a chave de ouro não vem
encerrar meu poema da vida
eu vou por aí
entre uma rima e outra
procurando meu eu no outro
meu outro no eu
aberto pra vida
sem medo da morte
(só um pouquinho...)
fazendo da vida uma arte
e da arte minha definitiva vida

Otto Leopoldo Winck
posso ter falhado em tudo, em termos de literatura: meus poemas são lidos por raros amigos, meus textos longos são lidos por amigos ainda mais raros (não nomearei para não constranger), eu si divirto fazendo estas crônicas de minha vida pra desopilar; mas, por um viés abstruso (adoro essa palavra, mas também adoro "charneca" e nunca pude usar, :(), não obstante, a patroa fazer o que não faço, sentar e escrever um romance (há três dias ela tem a disciplina que eu deveria ter), meus caríssimos, me deixa feliz: um brinde!

William Teca

uma das únicas coisas boas, do final de ano, é perder a noção do tempo (mais ou menos como ver programas antigos no youtube), parece que se estagna e não acontece nada, o mundo só vai recuperar sua rotação, lá por março, sem falar na amnésia que assola as pessoas, eu, por exemplo, esqueço que comi e como de novo, esqueço que bebi e bebo de novo, esqueço que acabei de fumar um hollywood e fumo de novo (lembro até de um seriado, "twilight zone"). neste labirinto de enganos deleitáveis, que é esta cidade, contudo, há mais coisas agradáveis, como muito dos curitibanos foi se salgar em santa catarina ou na ilha do mel (o que também me traz recordações, de uma canção da "lívia e os piás de prédio" - ah, o tempo curioso destes tempos), agora dá pra ir à feirinha do largo, ou tomar um chops, lá no stuart, sem correr o risco de ser incomodado. creio que esta época do ano, apesar da insistência das criancinhas do hsbc, das festas em família, dos perus e da maldita coletânea natalina dos vizinhos (e da rabanada que fiquei devendo pra patroa), é um tempo de solidão, e que é muito bacana curtir um pouco de si mesmo, mas, talvez seja só um bocado de melancolia que me faz pensar assim, ou quem sabe uma saudade que guardo aqui comigo, sem saber ao certo de quê. creio, que farei o inusitado, antes que os vizinhos gospel comecem seu ensaio, cantando sofrivelmente "killing me softly" para esquentar as baterias e estourar meus tímpanos, vou ouvir um sambão enredo, para começar: "é hoje", ou quem sabe tenha sido ontem, aiaiai, estes tempos de tempo estranho do fim de ano, só mesmo tomando mais uma para entrar no fluxo.

William Teca
O professor Antonio Candido disse que quem não souber o que é solidariedade não pode entender a obra de Mário de Andrade. Não sei se fiquei mais solidário conhecendo a sua obra, escrevendo sobre ele e até interpretando como ator este terno poeta num filme. Talvez sim... Mas sei que, lendo as cartas que ele escrevia para os amigos e para as pessoas mais desconhecidas e anônimas de todo o Brasil, eu vivi a experiência da delicadeza.
Um grande domingo para vocês!
Afetuosamente,

Jorge Miguel Marinho
lá pela uma da manhã, eu paro de ler, estudar e ouvir música; me dedico a ver documentários de psico e sociopatas, no youtube; daí vem a coisa curiosa, se eu levar em conta o que vejo, meus amigos estariam na cadeia. falando nisso, estou quase no fim de meu romance - duvido que eu publique, afinal, minha família não tem o dindin pra me bancar (papai não é médico e nem político e não fiz conchavo com a editora do campana), mas, quem quiser ler, veja meu bologue. falando nisso, preciso de uma noite no puteiro, pra terminar meu laboratório, minhas gírias de putas estão defasadas.
William Teca

52)


Não é o fim como se finda; é o
infindar-se no verbo encantado.
Seguir as barcarolas em nome
das coisas nômades,nesse cálice
partido entre gerânios. O que
não há de ser, já é, no mistério
interdito. Ninguém busca os
barcos desolados; cada nós
segue o rio da mesma foz.
Onde tudo que se nos aja,
avive a raiz da voz.

SALGADO MARANHÃO
ficar em casa coçando o saco, em plena segunda, me dá um desejo mórbido de assistir televisão, sobretudo aqueles programas bem ruins, tipo: "casos de família", alguém me disse que é tudo combinado, mas, se for, guri, são ótimos atores - lamento não haver nenhum daqueles programas de namoro na tv, a este horário (eu si divirto muito assistindo), ou um bom exame de dna. a única coisa boa de ver televisão aberta é ver o limite do ridículo - e pensar que muita gente leva tudo isso a sério, isso é sério, o sujeito assiste o jornal nacional, por exemplo, e sai repetindo um monte de barbaridades, ou, ainda pior, fica pensando que a novela retrata a realidade e quer ter uma vida igualzinha. saudade dos meus tempos de criança, quando passava "as sete caras do doutor lau", na sessão da tarde, ou "a lagoa azul" (ai a brookie shields e seus peitinhos...), tudo bem, sei que é uma certa nostalgia, daqui a pouco vou andar pela cidade e dizer: "no meu tempo, tudo isto era mato".

William Teca

Fábula


João escreveu três palavras, colocou-as numa garrafa, tampou e atirou tudo ao mar. Não se sentiu menos anônimo nem a existência melhor. Porém a sensação de abreviar espaços e aproximar pessoas o invadiu. Quando João escreveu as três palavras que um dia alguém encontrou e pouco entendeu porque apenas diziam “Eu estou aqui”, comungou com todas as mãos e todas as letras de todos os tempos o primeiro “sentido” de escrever.

Boa semana e grande abraço, amigos
Afetuosamente,

Jorge Miguel Marinho

Palavra



Palavra: comunhão para o espírito. A palavra se esvazia diante da mesa farta. Não há mais ritual para os comensais: atiram-se ávidos às farturas do banquete. A palavra cultivada esconde-se nos livros e poucos se aventuram a abri-los: na devoração da vida não há mais tempo para a sabedoria dos antepassados. Mas a palavra cultivada é a única que pode restaurar a comunhão entre os espíritos.

Marilia Kubota

ENTRETANTO


No instante
em que se calar o canto
talvez haja espanto
ou, antes,
nem tanto,
um pouco de estupor,
suave angústia,
algo menor que o pranto.
Nem isso:
hesitação
entre o ir
e o vir.
No instante
em que eu calar o canto
talvez haja nada
– nem o canto era assim tanto.
Ou então – quem sabe? –,
cessado o canto,
todo o canto,
um outro canto
– de insuspeitável encanto –
se faça ouvir.

Otto Leopoldo Winck

O Encanto da Lua...

(Miniconto)

É madrugada...
A Lua ilumina o tabuleiro de xadrez que repousa sobre a pequena mesa de madeira, próxima à janela. Aos poucos, as peças despertam...
E incentivados pelos mágicos reflexos prateados, Rei e Rainha esquecem o jogo e dançam apaixonadamente...

Van Zimerman
Coroai-me de rosas,
Coroai-me em verdade
De rosas —
Rosas que se apagam
Em fronte a apagar-se
Tão cedo!
Coroai-me de rosas
E de folhas breves.
E basta.

Ricardo Reis

DECADISMO


Cortei os pulsos
do poente.
(Nas ruas onde descaminho o sangue escorre das nuvens
nessa hora em que outrora havia ângelus e anjos acendiam as estrelas
onde hoje se acendem os anúncios luminosos...)
Cortei os pulsos
do poema
e vim à rua
contemplar o sol desfalecido.
Era fatal que me tornasse poeta.
(O sangue espirra sobre a pia e sobre o copo
e sobre o tubo de dentifrício e sobre o espelho onde outrora eu via
um rosto...)
Cortei os pulsos
do poente
e vim à rua
perpetrar o meu último poema.

Otto Leopoldo Winck
"O amor não é para os fracos. Amor é o que fica depois do desespero. Amor é o que fica depois da vingança. Amor é o que fica depois da solidão. Amor é o que fica depois das brigas. Amor é o que fica depois da bebedeira. Amor é o que fica depois da fofoca. Amor é o que fica depois das dúvidas. Amor é o que fica depois do orgulho. Amor é o que fica depois dos gritos. Amor é o que fica depois da raiva. Amor é o que fica depois dos erros. Amor é o que fica depois da cobrança. Amor é o que fica depois do cansaço. Amor é o que fica depois de ir embora. Se o amor ficou depois de tudo, não finja que ele é nada."

Fabrício Carpinejar.
Fique em silêncio
como um ramo seco
vem aí
uma primavera
a te florir

(Bárbara Lia)
Mulher não gosta de declarações apenas em quatro paredes ou através de caracteres, mas não nos subestime. Não exigimos uma chuva de rosas na saída do trabalho nem um carro alegórico tocando Cazuza. Buscamos um alguém que nos faça bem mesmo quando o mundo acordou um inferno, alguém que entenda que é na nossa fragilidade que nos tornamos fortes, um homem que se preocupe em mostrar o que sente quando sente de verdade. Uma pessoa que nos arranque um sorriso em cada toque. Pois acredite, mulher dificilmente é boba, nascemos apaixonadas; No entanto na hora de atuar somos melhores que vocês.


— Luara Quaresma

ESPELHO DE SAUDADE


Em cada anoitecer sem a tua presença, os reflexos de saudade estilhaçam-se. E na ausência de teu olhar, a vida prossegue, derretendo relógios...
Van Zimerman

domingo, 27 de dezembro de 2015

Perigos da Constelação Familiar, Sem Orientação, Nas Escolas


O Programa Fantástico passou, neste domingo dia 29 de novembro, uma reportagem sobre bullying nas escolas.
Uma das técnicas utilizada por uma professora para identificar este problema foi a seguinte: ela pegou dois alunos, vendou os olhos deles, então colocou um segurando a mão do outro e disse:
- Este ser que você não está segurando a mão não é nenhum colega seu, ele é uma pessoa da sua família que você ama muito...
O jogo acima é uma das técnicas de uma terapia chamada Constelação Familiar. Ela é feita para resolver conflitos de parentescos. Porém, não é ideal para ser usada em sala de aula. Pois deve ser comandada apenas por um profissional especializado por envolver uma espiritualidade muito pesada.
Em 1986, eu morava em Brasília e nesta escola uma professora resolveu usar um jogo semelhante: ela pegou dois estudantes, vendou os olhos deles, então colocou um segurando a mão do outro e falou:
- Esta criatura que você não está segurando a mão não é nenhum colega seu, ele é uma pessoa da sua família que você sente muitas saudades.
Assim a menina para quem a mestra disse isto começou a chorar, caiu no cão e gritou:
“– Vô, sai daqui!                                                                       
- Você já morreu!
- Você me ameaçava e abusava de mim. Mas, eu gostava do senhor...”
Após estas palavras a garota passou a ter convulsões, como se fosse um ataque epilético e foi levada para a coordenação.
Sabem o porquê aconteceu isto?
Resposta: Porque foi usada uma técnica de constelação familiar orientada por uma pessoa que não estava preparada. Poxa, uma situação destas aumenta mais o “bullying” e o preconceito na sala de aula ainda.
Estudo Lendas, Mitos e Tradições há anos e sei que isto é muito perigoso sem a orientação necessária.

Luciana do Rocio Mallon

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Um dia as estrelas todas do céu caíram

Um dia as estrelas todas do céu caíram
e eu me vi perdido numa praia que se confundia com a noite.
A noite era tão funda que eu cheguei a esquecer o cor dos teus olhos.
A ondas molhavam meus pés
e as vagas no horizonte desenhavam um naufrágio.
Tudo era novo, embora conhecido há milênios.
Se o viver era precário, sabê-lo já não era tão trágico.
A ninfa da melancolia, derramando sua eterna ânfora de mágoas,
me fitava do mundo do corredor. Então chorei.
E de meus olhos nasceram rios, e desse rios oceanos.
De cada oceano, no continente que surgia, brotava uma nova civilização.
No entanto, eu continuei perdido
porque agora já não lembrava sequer do contorno do teu rosto.
Ai, quisera retornar à rua de minha infância
e bater bola com os colegas do bairro. Mas todos estão velhos
e um inclusive já morreu.
É isto a vida? -- um dia me perguntei.
A vida mesma se encarregou de me responder
e se mostrar alucinatoriamente múltipla.
A noite é dura. Perder teu vestígio também.
Mas agora trago uma estrela no bolso
que me ilumina os olhos e me faz crer
que ao fim da noite te reencontrarei intacta.
Tudo é novo. E antigo.
Mas já não é trágico.
Caminho por uma praia
que vai terminar na aurora.
Otto Leopoldo Winck

Grade de ferro


Curiosas gotas d’água
Deslizam na grade do ferro,
Pequenos espelhos
Capturam o fim de tarde...

Van Zimerman

TEOFANIA


De repente,
caí como morto
aos seus pés.
Arrastado por correntes,
esquartejado por punhais.
Foi tamanha a luz!
A sua cabeleira rubra.
A sua boca rubra.
A sua vulva rubra.
(Salamandras de fogo, corcéis incendiados nos céus.)
De repente,
no meio da rua,
uma menina cega me fazendo sinais:
ela me conduziu pela mão
a uma catedral de mil absides,
onde eu vi
com meus olhos impuros
o corpo estigmatizado
do Apóstolo.
Foi como se eu tivesse
subitamente nascido
e não soubesse pronunciar palavra alguma
na língua dos homens.
Meus cabelos ficaram brancos. E pretos novamente.
Chorei a noite toda.
De repente eu compreendi,
como num sonho:
tudo já aconteceu, só que invertido.
Quando dei por mim,
estava na casa de meus pais, coberto de incisões,
com um nome sagrado
tatuado no testa: Al Mutakabbir.
(Tudo é unânime. Tudo é hieróglifo.)
Hoje sei que viver pode ser glorioso.
Mesmo no mais abjeto
quarto de hotel.

Otto Leopoldo Winck
"Só cinco reais!"
Apoiadas no muro
À espera de compradores
Vassouras coloridas
Cerdas inclinadas, sonolentas
Ao sol do meio-dia...

Van Zimerman
Se há trevas no céu,
inventa-se um sol.
Ou uma lua – se se prefere a noite.
Se a terra é sem forma e vazia,
desenha-se um paraíso, um rio
e em seu leito nós dois.
O rio é o tempo.
Mas o tempo não passa por nós,
pois cancelei seu passar.
Agora eu tenho tudo quero: o sol (ou a lua),
um rio que não para e não passa
e dentro dele, inteiramente nua,
você.

Otto Leopoldo Winck

Tempo e Silêncio


O vento acaricia as flores...
As marcas do tempo descansam
Em cada tijolo e telha...
Na olaria, silêncio.

Van Zimerman

Eu tenho uma oficina de silêncios.

Eu tenho uma oficina de silêncios.
Nela eu forjo as palavras com que te direi um dia
que todo ardor é vão. Se estendo a mão
para tocar o céu, o espetáculo a que assisto é de o uma sublime indiferença.
Os deuses sabem que o caos não se sustenta sem beleza
e que todo esforço de compreensão
resulta inútil. Sim, é magnífico o sol que doura as nuvens no horizonte,
porém meus olhos só foram feitos para buscar na noite
a referência amarga do teu corpo.
Na minha oficina de espantos eu trabalho numa súmula
que diga tudo: que a vida é boa, o inverno é lúgubre
e a saudade é uma forma de reconhecimento.
Para quê precisamos de palavras? Não sei.
Talvez para entender que certas coisas não são ditas.

Otto Leopoldo Winck

À espera das sementes...


Nas mãos a terra se espalha, cobrindo
suavemente partes das impressões digitais
Lembram campos arados e curvas de nível,
à espera das sementes...

Van Zimerman
E chegou a palavra “nascimento” embalada em papel presépio. Ninho, embrulho, aconchego, qualquer palavra que reúna (essencialmente )pede passagem prioritária , pelo portal dos genuínos afetos. Feliz Natal , meus queridos amigos de perto e de longe, Feliz Natal, meus leitores de tantos cantos, Feliz Natal, para quem tenho pertinho de mim e Feliz Natal para quem está longe e o sinto tão perto. Família de lá e daqui , que a nova Luz abasteça nossa grande constelação.
Gloria Kirinus

Papai Noel


Tocado pelo dia de Natal, resolveu procurar seu pai. Andou por muitas ruas, durante horas, até encontrar um barbudo maltrapilho com um saco nas costas pedindo esmola, de nome Noel. Parou o carro e o abraçou. Era seu verdadeiro papai Noel!

JD

Centauro de Cristal


Veloz ele passeia em meus sonhos
Sedutor, brinca de esconde – esconde...
Disfarça-se nas poesias
Cobre- se de folhas...
Quase, desisto de tocá-lo,
Mas, o Vento Cupido aproxima-nos...

Van Zimerman

O ENTERRO DO LOBO BRANCO

"E também Stela antes da rouxidão se escondia embaixo dos pomares rodava a saia sob os laranjais ela não se interessava pelo sumo das frutas maduras nem pelos insetos que comiam os pequenos brotos numa guerra incessante e microscópica ela se rendia aos bagaços sim sussurrava no meu nariz ignorava que eram meus ouvidos os responsáveis pelo sentido da audição veja como os restos dos frutos são mais doces eu não sentia apenas detectava um amargor no fundo da língua fazia uma careta e ela me recompensava com um beijo na minha jugular e eu ficava tenso porque tinha a impressão que a sua saliva era uma lâmina enferrujada mesmo assim meu pau endurecia" 
Marcia Barbieri. 

Minha caixa de presente


Debaixo do pinheirinho um único pacote! Depois de abri-lo encontrei uma caixa de sapato vazia, revestida em cetin! Era o presente da minha namorada para que eu guardasse as mais de cem cartinhas de amor que me presenteou durante todo o ano.

JD

poeminha de natal


tudo vem do Oriente:
o sol
a fé
e até esse presépio
made in China


Otto Leopoldo Winck

Poema Cego

Unha e carne
Tateiam a sombra
No arder da flor
De um bólido
Nascidos flamas
Frente ao
Fátuo do escárnio
O pestanejar dos
Espelhos quebrados
Diriam adeus
Às suas madrugadas
Leite da lua
Fre...quente
Farsa
Em tempo
Quem somos?
Três dias
Nos lábios:
Frescor da uva
Para forrar-nos
O céu da boca
Enquanto:
Uivarmos
Nos dias da tua fome
Desvairada!


Julio Urrutiaga Almada
Livro De Olho:embriagado

terça-feira, 22 de dezembro de 2015



Tem horas que a gente simplesmente pensa em mudar tudo. Recomeçar a vida do nada. Esquecer os livros que já leu, as mulheres que passaram pela vida, os amigos que nos ampararam, os barulhos que nos incomodaram na noite. Só não penso em esquecer os textos que escrevi. E quando releio os textos, lembro dos livros, das mulheres, dos amigos e de todos os barulhos noturnos. Eles continuam lá como fantasmas que mexem em nossos chinelos em cima da poltrona. E é isso que me impede. Os negócios que escrevi ao longo desses anos. A escrita me aprisiona. A escrita me aproxima e me afasta de Deus. A escrita me desperta e me nocauteia. Tenho tido várias decepções na vida, mas a escrita é a única que não me decepciona nunca. Ela sempre esteve a serviço de minhas explosões de alegria, de minhas obsessões, de minha submersão na tristeza mais profunda, nos meus rompantes de renascimento. A escrita é minha mais fiel amiga, namorada, companheira e minha inimiga mais leal. Posso perder tudo, mas não posso perder a capacidade de me emocionar e de escrever. O resto é essa vontade de olhar os carros passando pela estrada, um rock do Lynyrd Skynyrd na cabeça e a possibilidade de um novo poema. E me parece mais do que o suficiente.

(Mário Bortolotto)



Ando tão à flor da pele...
Sábado um rapaz se aproximou de mim e entregou seu poema impresso, uma amiga dele leu no recital.. Ele disse que - gostou de mim - e a reverência que as pessoas fazem à minha poesia me deixa sempre muda. Ele conversou comigo por alguns minutos, ele estava sofrendo com algo e tentou me dizer. Quando ele saiu, desabei. Estava na mesa com Márcio Claudino e Jandira Zanchi... Márcio ficou espantado, somos amigos desde o início deste século, as nossas partilhas passaram por várias etapas de nossas vidas, e o fato dele não me ver chorar antes, isto fez com que ele comentasse e estranhasse... O insuportável ano traz um desmoronamento, e seguem os incêndios, naufrágios...

Ando tão à flor da pele... Hoje é aniversário do Pipol e ele não está aqui... Hoje é aniversário da Ângela... quantas vezes esta amiga me acolheu quando me separei, quando era eu e três filhos pequenos ao redor, e ela era uma espécie de porto seguro, sua atenção, sua calma... Nossas conversas de mulheres guerreiras cuidando da criançada, acreditando em recomeços... Subir ao degrau 43 de um lugar para ouvir o Guego Favetti cantar, longas tardes na varanda falando da vida, e ela foi embora pra Recife e ela morreu tão cedo, maldito câncer que tolhe... E fica esta lágrima encruada, esta que os guerreiros sepultam, pois é preciso viver, é preciso ir adiante, o mundo anda muito triste... Esta é a época da hecatombe... Este é o século da nossa insônia... Este tempo diluído, a lama, a chama, a falta e a certeza de que ainda não aprendemos a aceitar a transitoriedade, a gangorra da paz e do inferno, o jogo da vida com seu sim e seu não... Foi, pessoalmente, um ano que me trouxe alegrias... Mas, quem, sendo humano, pensa apenas na sua própria pele? As mazelas existem, um dia você se sente usada, no outro se sente patética em situações que a vida traz... Depois percebe... Não há como parar a roda da vida, é continuar... continuar... continuar...

Bárbara Lia


o cartunista preguiçoso, ou roteiro para uma tirinha



A ETERNA CULPA


Ao morrer meu Pai,
Pensei no relógio
Que lhe haveria
De herdar: o relógio,
Batendo depois
No pulso do filho,
Com as mesmas horas
Continuando a vida.
Nauro Machado.
Maranhão

A Traição Mais Famosa do Brasil Que Prejudicou as Manicures



Dias atrás ocorreu um fato de traição que se espalhou por todo o Brasil: uma moça mentiu que ia fazer as unhas, o marido a seguiu e descobriu a infidelidade, que foi filmada e espalhou-se pela Internet.
Logo surgiram piadas sobre manicures, que acabaram sendo as mais prejudicadas com a situação.
Depois do ocorrido frequentei os salões de belezas e estas profissionais reclamaram que a freguesia caiu após este escândalo de traição, e, que elas estão se sentindo mal porque estão sofrendo bullying entre seus conhecidos.
A manicure Lourdes Oliveira comentou:
“- Depois da história da moça, que mentiu ao marido que iria à manicure, tive que aguentar piadas como:
- Suas clientes, sempre mentem que vão fazer as unhas quando querem trair os esposos?
- Se as pessoas descobrirem que fazer sexo é melhor do que fazer as unhas, as manicures como você morrerão de fome. “
No caso da traição, os três envolvidos estão errados: a traidora, o amante e o marido que postou o vídeo na Internet. O pior é que, esta história, prejudicou vítimas inocentes que, neste causo, são as manicures.
O divórcio é um direito adquirido. Mas, infelizmente, quando o casamento não está indo bem, tem gente que prefere trair em vez de exigir a separação. Sem falar que somente criaturas desocupadas traem. Pois quem, realmente, luta pela sobrevivência não possui tempo para estripulias porque precisa batalhar pelo pão do dia-a-dia. Um ser de bom caráter nunca colocaria a imagem constrangedora de alguém na web. Ninguém pensou, aqui, que as manicures seriam prejudicadas. A traição é uma atitude egoísta porque a criatura só pensa em duas coisas: prazer e vingança. Afinal, nem sequer passou pela cabeça da jovem em questão que ela prejudicaria uma classe profissional inteira: as manicures.
Sugiro aos meus leitores que nestas festas de final de ano contratem os serviços de uma manicure e, de preferência, levem os seus cônjuges junto para tratar das unhas, é claro. Com certeza, precisamos ajudar estas profissionais que ficaram tão prejudicadas por causa de um ato público de traição.
Afinal, muitas manicures são mães de famílias, algumas sustentam seus lares sozinhas e precisam do apoio da sociedade neste Natal.

Luciana do Rocio Mallon

Novo Crime: Roubo de Enfeites Externos de Natal


Estamos em clima de Natal e Ano Novo, por isto vemos muitas casas enfeitadas, principalmente, nas partes externas.
Mas, um crime aumentou, nesta época do ano: roubo de enfeites externos de Natal.
Uma amiga, que tinha em seu jardim um pequeno pinheiro de verdade, resolveu enfeita-lo com luzes estilo pisca-pisca. Mas, num certo dia, quando ela acordou viu que a árvore não estava mais lá. Através da gravação das câmeras de segurança, a moça notou que um caminhão de mudança parou em frente a sua casa. Então, dois homens com bonés, entraram no jardim e com pás retiraram o pinheirinho.
Já uma outra conhecida senhora, enfeitou a parte externa da sua casa com luzes coloridas, também, estilo pisca-pisca. Porém quando acordou viu que elas não estavam mais lá. Pelas câmeras de segurança, a idosa viu que um jovem com capacete de moto, pulou o muro e roubou as luzes.
Portanto, amigos, fiquem de olho.

Luciana do Rocio Mallon                    

Incêndio no Museu da Língua Portuguesa


Dia 21 de dezembro algo triste aconteceu
A Estação da Luz virou Estação do Breu
Pois o incêndio queimou o Museu da Língua Portuguesa
Acabando com cultura, arte, história e beleza!

Um herói tentou defender este templo
Neste depressivo e cinza dia de dezembro
Este moço foi um bombeiro de sobrenome Cruz
Seu nome ficará para sempre na Estação da Luz

Ele tentou defender o museu e toda a sua cultura
Mas o fogo queimou o seu corpo de trabalhador
Este homem é um verdadeiro herói em bravura
Hoje, ele virou um anjo no céu com louvor

Dia 21 de dezembro algo triste aconteceu
A Estação da Luz virou Estação do Breu
Pois o incêndio queimou o Museu da Língua Portuguesa
Acabando com cultura,  arte, história e beleza.

Luciana do Rocio Mallon

domingo, 20 de dezembro de 2015



Eu deixei uma fresta aberta na janela e o frio entrou por ali e se instalou dentro de mim. Passei a noite inteira tossindo. Antes eu tivesse chorado. Mas meus olhos estão secos, duros. O frio se instalou dentro de mim e eu fiquei sabendo que sempre estamos fora. Fora de nós. Somos estrangeiros para nós mesmos. O frio é o sinal disso. Você pode abraçar outra pessoa, tocá-la, amá-la, mas nunca, nunca você vai atingir o coração dela. Esquece: não há comunicação possível. Se nem você se entende, como quer ser entendido? Eu deixei uma fresta aberta na janela e o frio se instalou em mim. Desde sempre. Já nasci com frio. A morte deve ser fria.

Otto Leopoldo Winck
Um escritor é alguém que fracassou em tudo o mais. Daí só lhe resta redigir o inventário de seus fracassos e derrotas. Toda grande literatura nasce desse fracasso original.

Otto Leopoldo Winck

Ensaio de abertura de um romance.



Por exemplo: chove lá fora. Eu ouço o barulho da chuva e ele me dói aqui dentro como uma lembrança. Lembrança de quê? Não sei. Só sei que amarga. Quando a felicidade acaba, toda lembrança é amarga, sobretudo as lembranças dos momentos felizes. Momentos felizes? Hoje os desprezo. Quisera ter sofrido mais, ter odiado mais, ter me enojado mais. A vida definitivamente não é para os fracos. E eu fui fraco. Muito fraco. Por isso começo meu livro com esta confissão: fui fraco, porra. Agora não adianta nada reclamar da chuva, da vida, da memória involuntária. Proust foi um grande farsante. E um grande escritor. Eu sou apenas um grande farsante. Por isso começo minha história falando da chuva.



 Otto Leopoldo Winck
Sabe quando a chuva cai lá fora e cada pingo reboa em nós como um látego? Pois está assim hoje. Acordei, mijei e vim me instalar na janela, com meu copo de conhaque e meu cigarro. Nenhuma pessoa na rua. Carros ressoam ao longe. E eu me pergunto: em qual esquina da vida eu peguei a via errada? Talvez desde o começo. Talvez desde sempre. Agora é tarde para corrigir. Só me resta escrever, proceder ao inventário de meus erros. Vou sair daqui, abrir o computador e digitar assim: Sabe quando a chuva cai lá fora e cada pingo reboa em nós como um látego? Pode ser um bom começo de romance. Ou pode ser nada. É mais provável que não seja nada, não dê em nada. Hoje não acredito em nada. Nem na literatura, que já foi minha mais fervorosa religião. Hoje acho que só acredito nessa chuva. Para falar a verdade, acho que sempre choveu na minha vida. E eu sempre estive na janela, bebendo, fumando e esperando ninguém. Se você gosta de romances educativos, vibrantes, cheios de sexo e porrada, não abra este livro, leitor hipócrita. Aqui você não vai encontrar nada que preenche esses romances da moda. Aqui você só vai encontrar um cara de meia idade na janela, com um copo e um cigarro. E chuva. Muita chuva. Pois este romance ambienta-se em Curitiba. E em Curitiba não tem mar, não tem rio, só tem chuva. E agora este cara, na janela, com cara de tédio. Pense bem se você quer continuar lendo esta joça.

Otto Leopoldo Winck

EPITÁFIO



— Ele não foi inteligente:
foi apenas muito esforçado.
— Ele não teve o senso da medida:
teve apenas oportunidades.
— Ele não teve profundidade filosófica:
teve apenas facilidades retóricas.
— Ele não teve nenhum reconhecimento:
teve apenas alguns amigos
e muita sorte.
— Requescat in pace

(Requeste-o e passe).


Gilberto Mendonça Telles. Goias

Felicidade

"Corro pro topo,
O topo do mundo.
Caio na vala,
A vala me afunda.
Tento sair,
A vala aprofunda.
Me agarro na relva,
Saio pro mundo.
Corro pro topo,
O topo do mundo.
Na lama me afundo,
Saio da lama,
Vem o cascalho,
Nele escorrego,
Nele me arranho.
Levanto assustada,
Olhando a entrada,
Que leva ao topo,
O topo do mundo.
Perdendo pedaços,
Me procurando,
Em olhares profundos.
Morro na vala,
Procurando,
O topo do mundo..."

 Glória Mariano


Livro: pg nº 49 do livro "O voo do pássaro ferido" (Goiânia: Kelps, 2009).

ESCRITO NO MURO



Não me procurem,
nem me definam:
já me perdi
nesta busca inútil
do mundo nu e sem muros
e do poema sem dor e sem palavras.


BRASIGÓIS FELÍCIO. Goias
para provar que o nosso amor morreu
vou enterrar o meu olhar no teu."

RR

sábado, 19 de dezembro de 2015

DESAPRENDIZADO


Guarde a tua dor contigo.
Não exponha na janela
os hematomas que ninguém quer ver.
Abra no teu peito
um buraco, uma cratera, uma cava,
uma cova clandestina,
e meta lá dentro, bem no fundo,
tua vergonha, tua peçonha, tuas catástrofes matinais.
Eu não quero saber de tuas noites mal dormidas
nem dos ácaros das tuas fronhas
quando aqui fora esplende um límpido sol de primavera.
Eu não quero saber das tuas contrações de gozo,
dos ganidos do teu coito interrompido
nem de teus exasperados gritos
de socorro.
Aqui não há auxiliadoras
nem lenços de papel. Não há piedade.
Guarde as tuas boas
e péssimas intenções.
Não me mostre os olhos vermelhos.
É ridículo chorar. É ridículo sentir
qualquer coisa que não desprezo.
Guarde o teu choro
e a tua gargalhada também.
Eu não quero saber
das tuas varizes, da tua pancreatite aguda,
da tua má consciência, do teu medo de morrer
sozinho.
Guarde o teu escapulário roto,
teu calvário de insânias. Teu currículo
de insultos e blasfêmias.
Não me venhas falar do teu desgosto,
do gosto de catarro em tua garganta, dos teus versos brancos,
do livro perdido de Rimbaud.
Queime todas as fotografias,
nada de lembranças da infância sequestrada.
Incinere todas as cartas de amor
no inferno que os outros aos poucos te acenderam.
Que é a infância
senão a face mais estúpida da vida?
Que é o amor, senão um emplastro
com o qual nos ludibria o instinto de reprodução da espécie?
Também nada de sonhos.
São os sonhos que envenenam a alma,
amargam o regato já no olho. Por que inventar rotas, imaginar roteiros de viagem,
se ao nascer já te prescreveram os caminhos consentidos?
Nada de sonhos e absolutamente nada de êxtases.
As auréolas deixa-as para os santos ou para os seios. Os ícones deixe-os nos mosteiros bizantinos.
Os fantasmas, no porão. Os demônios, ah, não creia em demônios.
Como as bruxas, eles não existem.
Guarde inclusive as tuas pústulas, o teu pus, os teus tripanossomos,
que a putrefação aqui só é apreciada
em galerias. Guarde os teus nódulos no pescoço,
a tua flatulência vespertina, os pelos encravados na virilha, a noite da tua maior angústia,
a culpa original,
que o buraco aqui não é mais embaixo
nem mais à cima.
Simplesmente não há buraco,
não há vazio, e toda lacuna
é imediatamente cauterizada.
Esta vida, amigo,
a única que com certeza podemos contar,
não cheira nem fede.
Não é bela nem feia, podre ou nobre.
É, simplesmente é. Sem qualificativos.
Sem predicados.
É pegar ou largar.
Aceitar ou cair fora.
Pois se vacilares, irmão,
vacilares um só minuto,
estarás perdido
– como eu.

Otto Leopoldo Winck
Marilia Kubota


nas oficinas que dei, eu achava que todos os alunos eram mais inteligentes e escreviam melhor do que eu. nunca soube ser professora, queria escutar. alguns realmente escreviam melhor. mas não tiveram coragem de publicar, ou achavam que poesia é coisa esquisita, ou não é ofício que se preze. penso muito em quem tem talento mas não vai adiante, quando vejo tantos sem talento se expressando na era da expressão/impressão fácil. mas quem tem talento e não tenta não é uma perda para a humanidade. tem é medo de receber tanto não, pois é muito não, e de quem você menos espera.
se eu morrer amanhã não interrogue
da só devassidão dos meus ofícios
eu deixo um girassol, como van gogh
e um afro-samba bêbado, vinicius."

RR

É O NASCER DO DIA QUE RASGA O PEITO DOS AMANTES


É o nascer do dia que rasga o peito dos amantes,
como o verde que colore ois olhos,
na mesma diagonal, o desenho de um milagre.
Plantar na terra
pés com o coração
e não ir mais embora
agora que colocaste o mar no céu.
Enquanto na garganta brota-se
a língua dos antepassados navegadores
meu olhar permanece no horizonte.


poema de FRANCESCA CRICELLI , poeta paulista, nasceu em Ribeirão Preto, é tradutora e pesquisadora. Seu livro de poemas Repátria foi lançado recentemente, em agosto deste ano. Morou na Itália, na Espanha, na Malásia e, por alguns meses, na Índia e no México.

FRANCESCA CRICELLI está na 68ª postagem da série AS MULHERES POETAS...

Se quiser ler mais, clique no link http://www.rubensjardim.com/blog.php?idb=46125
Quero saber…
Há quem se esconda de mim
E eu não sei qual a razão
Já que eu fui sempre assim
E serei sempre um folgazão
E tu que estás a isto ler
Não metas a cabeça na areia
Sabes bem qual o prazer
Dum coração que o teu enleia
Às vezes sinto-me obcecado
Sem saber quais as razões
E julgo que algum recado
Pode satisfazer as interrogações
Interrogações que faço aqui
E que agora a ti farei
Pois eu que nunca te menti
Acabo por não saber o que te dei
Será que te dei alguma razão
Para tu me pores de lado
Ou será que é uma ilusão
De quem me viu cantar o fado
Não… Não me podias ter ouvido
Já que eu nunca o cantei
Vota bem o teu sentido
Só a ti é que eu amei
Não me dês esperanças vãs
Julga-me como quiseres
Nesses olhares que tu me dás
É de respeito… É de mulheres
Mulheres que se conhecem
Que sabem até onde podem ir
Às vezes há coisas que acontecem
Por desconhecimento do seu sentir
Resolve-te pois de uma só vez
Diz que ainda gostas de mim
Porque o homem que assim te fez
Lembra a flor que colheu assim!


Armindo Loureiro – 19/12/2015 – 22H45

Mar

esse mar que eu tanto quero
se não vem me desespero
esse mar me faz suspenso
esse mar que as vezes penso
e não sei onde vai dar
nesse mar onde mergulho
esse mar me faz barulho
nesse mar tanto silêncio
esse mar que as vezes tenso
e não sei se vai passar

Artur Gomes


http://artur-gomes.tumblr.com/…/mar-esse-mar-que-eu-tanto-q…

PARTIDA - II


Hoje todos os caminhos estão desertos
porque já não podes andá-los.
Não há mais luar e o sol é amargo,
pois me fugiu para sempre o teu vulto.
Agora, a água do poço é salobra
e de cardos se vestiu o antigo jardim.
Na compoteira trincada da varanda
nem um sinal dos teus cuidados.
Sou um homem alquebrado
e já sem nenhum orgulho.
Mas peço ao Senhor
que estenda indefinidamente os meus dias sobre a terra
– porque, morto, tu morrerias para sempre também.
Otto Leopoldo Winck


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

SACRILÉGIO


Me aproximo de ti
como quem se aproxima da polpa do silêncio:
com gestos pausados e passos medrosos.
O mundo lá fora é muito grande,
os caminhos tão numerosos e loucos
que será inevitável o adeus.
Quando chove, contemplo as vidraças
e vejo teu rosto: envelheceste – penso em dizer-te.
Mas as palavras frequentemente são duras
e resta sempre uma paisagem vazia
onde nossos sonhos deixaram sulcos.
Me aproximo de ti
como quem se aproxima do nome de Deus:
com gestos medidos e passos de dança.
Se eu gritasse, sei que ninguém me ouviria.
Se eu dançasse, o universo implodiria.
Estive dentro dos pesadelos dos homens
e descobri que tudo é sagrado.
Menos o medo que tenho de ti.

Otto Leopoldo Winck

Um trechinho de minha tese (sem as notas de rodapé), que se os deuses quiserem vai virar livro ano que vem:

Este processo de constituição do eu se dá sempre em contato e em previsão do outro. É o outro que me constitui como eu. Em outras palavras, sem alteridade não há identidade. Segundo Lacan, é no espelho do olhar do outro que a criança, que ainda não consegue ver a si mesma como um ser inteiro, constrói uma auto-imagem unificada. “Psicanaliticamente, nós continuamos buscando a ‘identidade’ e construindo biografias que tecem as diferentes partes de nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer fantasiado da plenitude.” Daí a importância do reconhecimento para a constituição da identidade. Eu só me conheço ao me re-conhecer no olhar do outro. Eu só me identifico ao constatar a identificação que fazem de mim. Assim, “o não re-conhecimento ou o reconhecimento inadequado pode prejudicar e constituir uma forma de opressão, aprisionando certas pessoas em um modo de ser falso, deformado ou reduzido.” É como expressou Fernando Pessoa num verso do memorável Tabacaria: “Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.”

Otto Leopoldo Winck
A dor carne ,a dor pedra,a dor em si de puro real sangra na emoção de uma névoa hostil,cicatriz aberta a punhal.A dor olha o olho do abismo do derradeiro afeto.

Tomo impulso e na queda o gozo que nos mostra a luz .Arranca os olhos para melhor sentir a riqueza de perder.

A dor dorme enfim na alma insone .


Wilson Roberto Nogueira

terça-feira, 15 de dezembro de 2015


Às vezes você é obrigado a pôr uma máscara e sair sorrindo. Cumprimentando as pessoas. Respondendo às perguntas 'fáticas' tipo "tudo bem?", "como vai?". Mas na verdade você só quer é estar sozinho. Olhando a lua. Ou se molhando na chuva. E perguntando: onde vai dar tudo isso?

Otto Leopoldo Winck 

O ENTERRO DO LOBO BRANCO

"Esthela pouco se importava com o tamanho do meu pau dizia que os centímetros poderiam ser facilmente compensados com a rigidez constante não perdoava os homens broxas era uma questão de dignidade abaixar o membro quando uma mulher estava preparada para deitar-se na cama era pior do que estapeá-la e arrancar-lhes os dentes da frente no entanto eu não tinha problemas de impotência sim claro que não tinha só não podia pensar a política e a economia me ferravam a vida e o cacete para me manter em pé era preciso mãos ágeis pernas levemente abertas e bumbum inclinado o sangue irrigava rápido todas as regiões do meu corpo e se Augustina tinha motivos para reclamar era apenas porque algumas vezes eu não suportava a pressão e ejaculava antes de ela afastar a calcinha"
marcia barbieri



Nós de distância
Quisera te ter
às alturas
às nervuras e curas
sem o dom de inventar
Quisera te estar
às centenas
mesmo a duras penas
sem mais só sonhar
Quisera te ser
às vontades
no céu da idade
sem ter que acordar
Tantos, quisera
é tarde.
são nós de distância
no ar só errância
Quimeras do amar

Maria Regina Alves‎
Vidráguas

Lenda Sobre Santo Agostinho, a Rocha e a Dança


                 
Santo Agostinho foi um dos principais teólogos do começo do cristianismo, seu salmo preferido era o número 150 onde diz que devemos louvar a Deus com danças. Pois este religioso gostava de bailar. Ele era tão admirador da dança que escreveu um texto chamado Oração à Dança.
Reza a lenda que este religioso amava bailar, descalço, nas areias do mar. Mas perto da sua praia preferida, havia uma rocha que sonhava em ser um animal para mover-se e sair do mesmo lugar. O passatempo predileto desta pedra era ver Santo Agostinho dançando. Um certo dia, fazia muito Sol e a maré estava bastante cheia. Por isto, o religioso resolveu dançar sobre as rochas. Porém, a cada pedra que ele pisava descalço percebia que as rochas estavam muito quentes. Até que ele resolveu colocar os pés na pedra que sempre ficava admirando o seu balé. Assim Santo Agostinho bailou em cima dela. No final, ele disse:
- Como você foi uma pedra com boa temperatura e me deixou dançar em cima, realizarei o seu pedido mais secreto.
Após ouvir estas palavras esta rocha virou um tipo de tatu e transbordou de felicidade.

Luciana do Rocio Mallon

sábado, 12 de dezembro de 2015


por onde passeio minha língua
tenho aqui a língua
no meu céu da boca
o
coração em cantos
entre uma vértebra e outra
e
a flor de lotus
no jardim das quantas
tua fome tanta
me mordendo as coxas
entre esperma e sangue
onde colho os lírios
entre um beijo e dor
não comi teu fruto do desejo ainda
e esse gosto tenho entre língua dentes
pois sonhei teu corpo numa mesa farta
onde bebi nas noites este teu leite quente

Artur Gomes


https://www.facebook.com/arturgomespoeta/?fref=ts

poÉtika


do livro SagaraNAgens Fulinaímicas

eu sou drummundo
e me confundo na matéria amorosa
posso estar na fina flor da juventude
ou atitude de uma rima primorosa
e até na pele/pedra quando me invoco
e me desbundo baratino
e então provoco umbarafundo Cabralino
e meto letra no meu verso
estando prosa
e vou pro fundo
do mais fundo
o mais profundo
mineral Guimarães Rosa

Artur Gomes


http://artur-gomes.tumblr.com


voltando da farmácia (onde fui comprar remédio pra patroa) e da vendinha da esquina - incentive o comércio local (onde fui comprar remédio pra mim), fui abordado por um guri - ele se enquadra na categoria "mano", que me perguntou, de bate pronto:
- tio, você curte um verde?
ao que respondi, peremptório:
- não é a minha praia.
ao que, ele respondeu:
- falô aí.

depois, refleti acerca de: 1. entrei pra categoria "tio"; 2. tenho jeito de maconheiro; 3. esta camiseta do hendrix não faz bem à minha reputação de íntegro, ilibado e impoluto.

William Teca

Canção


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre dos meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio ;
debaixo da água morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito:
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Cecília Meireles

Madrugada incandescente


Cama ardente
Cadente lembrança
No céu da mente
Estrela destrambelhada
Que vai rascunhando o papel
De fatos até então esquecidos
No horizonte de insônias.
-

Radyr Gonçalves

O Caboclo d’Água


No lombo de pedra da cachoeira clara
as águas se ensaboam
antes de saltar.
E lá embaixo, piratingas, pacus e dourados
dão pulos de prata, de ouro e de cobre,
querendo voltar, com medo do poço
da quarta volta do rio,
largo, tranqüilo, tão chato e brilhante,
deitado a meio bote
como uma boipeva branca.
Na água parada,
entre as moitas de sarãs e canaranas,
o puraquê tem pensamentos
de dois mil volts.
À sombra dos mangues,
que despetalam placas vermelhas,
dois botos zarpam, resfolengando,
com quatro jorros,
a todo vapor.
E os jacarés cumpridos, de olhos esbugalhados,
soltam latidos , e vão fugindo,
estabanados, às rabanadas, espadanando,
porque do fundo
do grande remanso, onde ninguém acha o fundo,
vem um rugido , vem um gemido,
tão rouco e feio, que as ariranhas
pegam no choro, como meninos.
O canoeiro
que vem no remo, desprevenido,
ouve o gemido e fica a tremer.
É o caboclo d’água,
todo peludo, todo oleoso,
que vem subindo lá das profundas,
e a mão enorme,preta e palmada,
de garras longas,
pega o rebordo da canoinha
quase a virar.
E o canoeiro, de facão pronto,
fica parado, rezando baixo,
sempre a tremer
Crescendo d’água ,lá vem a máscara,
negra e medonha,
de um gorila de olhar humano,
o Caboclo d’água
ameaçador.
E o canoeiro já não tem medo,
porque o Caboclo o olhou de frente,
todo molhado,
com olhos tristonhos,rosto choroso,
quase falando,
quase perguntando
pela ingrata Iara,
que, já faz tempo, se foi embora,
que há tantos anos o abandonou...

[Guimarães Rosa]


João Guimarães Rosa (Magma-Editora Nova Fronteira)

PINTANDO UM GOLE

Nanquim das ideias
á mão;
à pala dar
sabor,
e uma cor
mais quente,
que prova o paladar,
então.
Começo tão duro,
dissolve-se;
mole;
pintando um gole,

infuso e puro.

‎ ‎Alexandre Souza da Conceição‎ .
fonte :  Vidráguas



sábado é um de meus dias mais solitários, fico sozinho em casa ouvindo boleros desconhecidos, hegel olha pra mim, eu olho pro hegel - mas, o traio pensando nas cervejas que me aguardam na geladeira, com quem partilharei meu calor de 39 graus (a gripe e a febre persistem), desconfio que mandarei hegel pastar e pastarei eu com minhas "filhinhas" - como diria um grande poeta carioca e cabeludo, e de quem estou com saudade. ontem, fui beber com os amigos oldschool - até deu saudade da graduação, mas passou. sinto uma falta danada de bater um bom papo, mas um papo solitário em que cada um fique na sua solidão. dizem que o melhor do amor é a capacidade de compreensão e carinho, não é não, uma das coisas que mais admiro, no meu amor, é a generosidade de me deixar sozinho. porque preciso.

William Teca

APRUMADO


Era vaidoso. Vestido de terno azul marinho, presente do filho, que nunca usara, esperava uma ocasião especial; sapatos engraxados pelo netinho, camisa engomada, mimo da esposa; cabelos penteados carinhosamente pelas mãos da filha. Era religioso! Estava aprumado para ir ao encontro de Deus.

JDamasio
Com o olhar perdido no tempo, no espaço do parque, o velho esperava o neto do filho que não teve. 

JD

48)


Meus músculos se erguem para louvar
tua corola partida: preencher a vertigem
que se esconde em teus vales. Escuta
o clamor deste incêndio que navalha
ternura; recruta o furor deste sol que
se estanca em teu lago. Venho da lava
ancestral com a santidade dos tigres.
Para além da estirpe do injusto, há o
grão desta hora. Ajuda-me a brotar
em teu colo; a inundar tua rocha.


SALGADO MARANHÃO
fim de ano, cá na periferia, é o máximo, algo como se a irmandade humana rejuvenescesse ao som de simone e à textura das guirlandas e arvrinhas plásticas da casa china; as pessoas demonstram seu afeto a plenos pulmões, embaladas pelo campo largo ordinário e doce da vendinha, além, claro, da psicodelia das luzinhas embaraçadas dos natais passados. tento fazer de conta que não é comigo, mal humorado e estúpido (com meus parcos graus de febre), inútil, um vizinho bem intencionado é pior que uma testemunha de jeová. e as bombinhas do filho da vizinha criam em mim uma irmandade tardia com o vira latas adotado pela comunidade. contudo, a garrafa de conhaque ganhada de presente, derrete meu coração, mas desconfio que derreterá meu fígado. logo, virão as fatias de chester e pernil, regadas com marcas ignóbeis de cerveja - existe uma felicidade implícita e transcendente, na simplicidade, ainda que um tanto agressiva, do povo cá desta terrinha, um lirismo que somente a genialidade de aldir blanc seria capaz de destilar. netflix pra quê? é só abrir a janela e ver a vida ao vivo, com todo o timbre característico dos melhores canos de escapamento.



 William Teca
Eu sempre evito comentar as fotos ou dar títulos,por acreditar na interpretação de cada mas essa é especial ! depois de fazer algumas fotos do dogs,eu perguntei para o carroceiro ,se ele me vendia uns dos cães,sendo que ele tinha 4,ele disse:Amigo não se vende,esses nao tem preço ...Detalhe,todos os caes gordos e visivelmente bem tratados..e o carroceiro de chinelos...por isso que eu sempre peço,que quando alguém tiver tenis para doar,deixe no carro e entregue direto para um desses trabalhadores

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Alquimia


Um poeta cozinheiro
Dado a fogueiras de hálitos
Doces
Titubeante e corriqueiro
Perdeu a vida
Não as flores
Suas mãos de luto
Perfumadas e findas
Cozerão tomate e alga
Na vertente marinha
Dando aos olhos do céu
Um mosaico de peixes suicidas.

Julio Urrutiaga Almada do livro Hora Tenaz

Testemunha


O Mar é o manto
Do choro lento
Do leve pranto
Da dor do tempo.

Julio Urrutiaga Almada do Livro Hora Tenaz

O que fez em mim o chocolate


“Metade dos nossos erros na vida nascem do fato de sentirmos quando devíamos pensar e pensarmos quando devíamos sentir.”
(J. Collins)

A sombra do que fomos não faz nem sombra. Na tez cinza, do rosto que posso lembrar, encaro o cotidiano da fotografia como um espelho. Espelho de bisturis e estiletes que te rouba o sorriso e a face, nesses dias em que a única maneira de suportar olhar para dentro, é fingir que só vês o que está la fora. Nesses dias em que me lembro: Aquele nosso futuro é coisa do passado.As cascas do tempo, a sombra das árvores, o doce maduro dos teus olhos que me ensinaram algo de mim mesmo.Morri muitas vezes, mas a única vida depois da morte, que me aguça a febre dos sentidos, era a turbulência plácida de roçar teu corpo pretendendo invadir com loucura, o som inexplicável de nosso silêncio.

Julio Urrutiaga Almada do Livro Caderno de Ontem


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