quarta-feira, 29 de maio de 2013

Julio Damasio
57- Era indiferente ao marido. Ao saber que ele estava tendo um caso, ficou tão furiosa, que resolveu seduzi-lo só para sacanear a amante.

O vento

De Mara Paulina Arruda.


O vento inventou de ler os jornais. Passa pela janela e vira as páginas ao seu modo. Gosta muito das variedades e se enaltece com as crônicas dos poetas. Ouve Resposta ao tempo. Não conta para mim sobre o que anda fazendo, suas viravoltas, seus problemas com os tufões e as tempestades. Ele é discreto e faz piadas refinadas. Acompanha o farfalhar das palavras caindo aos pés do meu amor. Eu imagino que ele, um admirador de John Constable e de Cecília Meirelles, esteja um pouco estressado com as artimanhas que o tempo vem fazendo. Não que ele seja uma daquelas pessoas intransigente. Não. O vento é um espírito de criança. E, no seu jeito luxuoso de ser abre uma barra de chocolate, passa a mão no gato e abarca o jornal lendo-o aqui, bem aqui, pertinho de mim, na minha sala, neste apartamento pequeno preparado para ele e seus piercings de prata.
Julio Damasio

--Desculpe o atraso. Não chore, cheguei! Teve um probleminha em uma das turbinas do avião, mas falei que viria, que não deixaria de te ver nem morto, meu amor! JD
Julio Damasio


O casal mudara havia pouco. Vizinhos de toda quadra ouviam gritos desesperados da esposa. Chamaram a polícia. Passaram a transar baixinho.

Aos meus melhores amigos.

Alexandre França

Aos meus melhores amigos.

Ir embora de Curitiba
É um ato de amor.
É como largar de quem você
Mais ama.
Descolamos nossos membros
Para depois encaixar de outra forma
e seguir andando
Com os nossos passos
Entortados.


Sonhar é o quê?

De Mara Paulina Arruda


Estava no jardim. Noite estrelada. Avistava a constelação de capricórnio e as três marias. Fazia cálculos de um espaço ao outro das constelações. Lua nova. Ouvia ao longe o barulho de um parque. Dois meninos e uma menina vinham em minha direção. Polifonia. Num celular tocava funk. Os meninos vestiam-se com blusão de moletom que tinha capuz. Capuz sobre a cabeça. Mãos nos bolsos da calça. A menina segurava o celular e ensaiava alguns passos de dança sobre a calçada. Cabelos cobrindo quase por inteiro os olhos que ruminavam a dor de ter perdido o pai, de ter perdido a mãe, de morar na rua, aonde dava. A troca de si para saciar a fome. Espinhos da sobrevivência. Chegaram ao portão. Disseram-me que estavam com sede. Fui buscar uma jarra, três copos e um pacote de bolachas. Um deles disse que fosse a merda com as bolachas. Você sonha? Sonhar é o quê? Sou empalhador de rato, de cachorro e de pássaro. Tomam água, olham pra mim e saem a cantarolar a música do grupo Dazaranha: “Sobe o morro do perigo/Não é mais do que ninguém/Vai subir com vinte e cinco/ E vai descer com mais de cem/ Que ninguém perceba de onde ele vem...” As estrelas, uma parte do sonho...


Rita Medusa

Rabiscou o som das nuvens com o canivete que ganhou do avô, na beirada da cama. Perdeu a cabeça com labaredas de Shakespeare e Burroughs e escreveu a língua da desordem no lençol. Pela manhã a voz de deus, a náusea marítima e o olho do gato recebendo dádivas. Pela tarde o estranhamento, um café frio, um desacerto familiar, a mãe chorando e o pai ao telefone. Ao anoitecer um diagnostico e a sentença do exílio, injeção e cama fria, eternamente fria. O chá anunciando a fumaça poliglota. pela madrugada o som da máquina de escrever e a fuga: logo estaria rosnando para uma rosa no Egito.

Dor Elegante



Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante

Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha

Ópios, édens, analgésicos
Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

Paulo Leminski


inébrio

inébrio

que perdure esta sede
que embriaga
os sentidos

que nos metros de saudade
minha ponte encontre
a sua

e no remanso da aurora
não me fuja a poesia

cláudia gonçalves

me caber em cada, fragmento, 2

o poema, moça bela, é um reboco
uma tela que cobre a tarde nua.
cada poema que piso é uma rua
imensidão de mãos, como num soco."

 romério rômulo



domingo, 26 de maio de 2013

ausência, 2, fragmento

na tua ausência me arraso e não me olho
eu perco as asas, frutos, celuloses
só bebo a água suja de uma vozes
a minha carne resseca e eu desfolho."
 romério rômulo

A puta

Marcia Barbieri

"Vendo-o assim eu não diria que ele acabou de vasculhar as incoerências da minha carne, sou um ser despencado, estrangeiro, e tocando minha vagina não encontro vestígios de parentesco com nenhuma espécie conhecida, um peixe voador sentado nu à beira catastrófica da cama..."

UM GAROTO UIVANDO PRA LUA



dias de erupção
noites correndo ao redor de si mesmo
cabisbaixo
outras vezes não
sonhava com a lua
à sombra
da lua
uivando
é sempre bom repetir
um garoto que sonhava
com seu cão morto
ele cresce
o mundo é pequeno
ele amadurece
depois se apaixona
e volta ainda mais garoto
e a vida é grande
outra vez
dias e noites correndo ao redor de si mesmo
sim
houve noites
que ele também quis
morrer


Lalo Arias

O falso enforcado



Todo homem
é arcano
em seu jogo
e destino.

Digo,

Todo homem o enforcado. Todo homem seu demônio.
Todo homem seu impossível

significado.

O poeta, o poeta é sibilino.

Face à forca

ele força
seu pescoço
contra a corda.

acorda
o grito

vibra a
vida,

engasgada na garganta.

O poeta canta,
mesmo morto
a carta da morte.


Eduardo Lacerda
Roberta Tostes Daniel

Poesia feita escápula,
acesa em Ícaro
(desvelo de seus remos),
praias abertas em que nadam
antigos desastres.

Ou sob o eixo da lua, sangrenta,
enchendo o mar para o que bebe,
águas singradas de sono
tangendo a pureza, até o leite.

Porque sucumbem, suas imagens
trazem o retrato potencial:
o exame das formas inexistentes.

E ilhargas, calos, tendões;
anatomia alada;
escreve-se para rompê-la.

Chegar onde saúdam -
o sol do breve entendimento.




Para você que dá aula de alemão, que tal um pouco de especialização ?


A língua alemã é relativamente fácil. Todos aqueles que conhecem as línguas derivadas do latim e estão habituados a conjugar alguns verbos podem aprendê-la rapidamente. Isso dizem os professores de alemão logo na primeira lição.

Para ilustrar como é simples, vamos estudar um exemplo em alemão:

Primeiro, pegamos um livro em alemão, neste caso, um magnífico volume, com capa dura, publicado em Dortmund, e que trata dos usos e costumes dos índios australianos hotentotes (em alemão, "Hottentotten"). Conta o livro que os cangurus (Beutelratten) são capturados e colocados em jaulas (Kotter), cobertas com uma tela (Lattengitter) para protegê-los das intempéries. Estas jaulas, em alemão, chamam-se jaulas cobertas com tela (Lattengitterkotter) e, quando possuem em seu interior um canguru, chamamos o conjunto "jaula coberta de tela com canguru" de Beutelrattenlattengitterkotter.

Um dia, os hotentotes prenderam um assassino (Attentäter), acusado de haver matado a mãe (Mutter) hotentote (Hottentottenmutter) de um garoto surdo e mudo (Stottertrottel). Esta mulher, em alemão, chama-se Hottentottenstottertrottelmutter e o seu assassino chamamos, facilmente, de Hottentottenstottertrottelmutterattentäter.

No livro, os índios o capturaram e, sem ter onde colocá-lo, puseram-no numa jaula de canguru (Beutelrattenlattengitterkotter). Mas, incidentalmente, o preso escapou. Após iniciarem uma busca, rapidamente vem um guerreiro hotentote gritando: Capturamos um assassino (Attentäter). Qual?? pergunta o chefe indígena. O Beutelrattenlattengitterkotterattentäter, comenta o guerreiro. Como? O assassino que estava na jaula de cangurus coberta de tela? - Diz o chefe dos hotentotes. Sim - responde a duras penas o indígena - O Hottentottenstottertrottelmutteratentäter (o assassino da mãe do garoto hotentote surdo e mudo). Ah, demônios - diz o chefe - você poderia ter dito desde o início que havia capturado o
Beutelrattenlattengitterkotterhottentotterstottertrottelmutterattentäter.

Assim, através deste exemplo, podemos ver que o alemão é facílimo e simplifica muito as coisas. Basta um pouco de interesse!!!!!!


Abração.

Olinto A Simões

por ti cometeria os pecados mais singulares II



eu vou ficar esperando pelo cigarro
pela última estrela
pelo latido aflito dos cães
pelos poemas que não foram escritos
pela caligrafia rasgada de nomes
eu vou ficar esperando
por um nada, um vazio, um caos
até o peito explodir como uma galáxia


Assis Freitas
Rubens Jardim

"a gente lê poesia exatamente pra ficar assustado e perplexo diante de uma infinidade de coisas codificadas. a gente lê poesia pra oxigenar o cérebro e dar um salto, sempre no escuro." 
O POEMA NÃO QUER SER COMPREENDIDO: ELE QUER SER AMAD0!
.O poema é um ser de linguagem. O poeta faz linguagem, fazendo poema. Está sempre criando e recriando a linguagem. Vale dizer: está sempre criando o mundo. Para ele, a linguagem é um ser vivo, O poeta é radical (do latim, radix, radicis = raiz): ele trabalha as raízes da linguagem. Com isso, o mundo da linguagem e a linguagem do mundo ganham troncos, ramos, flores e frutos. É por isso que um poema parece falar de tudo e de nada, ao mesmo tempo. É por isso que um (bom) poema não se esgota: ele cria modelos de sensibilidade. É por isso que um poema, sendo um ser concreto de linguagem, parece o mais abstrato dos seres. É por isso que um poema é criação pura — por mais impura que seja. É como uma pessoa, ou como a vida: por melhor que você a explique, a explicação nunca pode substituí-la. É como uma pessoa que diz sempre que quer ser compreendida. Mas o que ela quer mesmo é ser amada.


(Décio Pignatari, 2004)

Apenas Sentimento Pungindo do Peito


Auber Fioravante Júnior

Quando o piano tocou
Tudo me pareceu poesia translúcida,
Poema calor do corpo sem teoremas
Um jeito nada rock in roll
De dizer o que se sente... Move-se pela alma!

Do livro apocalipse
A lágrima é verdadeira ao deslizar
Pela face em confraria com lábio,
Como um cálice de vinho tinto
Esperando do outrem, gole sedução!

Entre as cordas de uma guitarra
Que ousa em tristeza derramando-se
Em notas inundadas de paixão,
Toda a essência torna-se fragrância,
Perfumes lidos da estação... Simples como o amor!

O inverno ainda não chegou,
Mas o frio das suas folhas já cortam pela noite
Criando um espetáculo feito um louvor
À primavera que renasce toda manhã!

Em desatino uma certeza, um glamour
Ao desconhecido, ao pelegrino escrevente
Das lousas épicas e etéreas!

24/05/2013
Porto Alegre - RS

AF00036 - Auber Fiori


hipotenusa, 1, fragmento

encontrei aquela musa
do meu sonho de menino

ela com a hipotenusa
e um cateto libertino

dos olhares que ela usa
o meu é o mais assassino."


Romério Rômulo Campos Valadares

http://romerioromulo.wordpress.com/

maradona é o teorema


1.
esganei régua e compasso
pra montar o meu esquema
abracei todos e abraço
meu sentido de dilema
se embaço ou não embaço
minha carne de morfema
pelo corpo de embaraço
eu nasci e ainda nasço
abrasado no poema:
o poema é meu espaço.

eu trago como problema
maradona no pedaço:

maradona é o teorema.

2.
maradona e lampião, à revelia
são o pecado perfeito da poesia.


romério rômulo

Amor em Lamentos Prosaicos


Auber Fioravante Júnior

Assim que noite acordou
Uma mística de versos desaguou
Por sobre uma pedra macia, entalhando,
Esculpindo em soneto tudo que alma marejava
Pelos francos da dor... Oh, plenitude!

Os guias escribas já chegaram
Em suas lendas vivas, centelhas brilhantes
Adentrando pelo breu de cada palavra proferida,
Uma avenida centrada no sentir, das ondas
Poetando n’areia o velar do luar!

No instante que se aguarda
Suavemente um silente imprime-se
Entre quadrantes sul do poema,
Que encouraça mistérios, se dá em venturas
Do âmago, da história zelada pelo amor!

Que os pássaros noturnos
Alcem voo em nome da melancolia,
Lágrimas não refletem uma mera ilusão!

Da origem das letras de Platão
O cristal filosofal fazendo-se poesia,
Dentre as daquele jardim germinando
Versículos íntimos induzidos pel’alma,
Irmã no sorriso, amiga no negro lamento!

25/05/2013
Porto Alegre - RS



sexta-feira, 24 de maio de 2013

A puta


Marcia Barbieri

"Mas eu vou além, eu digo mais, eu digo que o homem será transformado na vagina de uma puta. O homem será só um oco no meio das pernas de uma puta. E então, ele se livrará de seus pecados e gozará na mandíbula do monstro." 

Alexandre França

vidrado nos olhos do céu
me vejo parado
nos meus próprios olhos.

as estrelas que morrem não passam
de um longo flerte do tempo.

quantas galáxias
a existência precisa
pra me fazer ceder a tentação
de emudecer para sempre
diante do universo?

Sintomática




aquele caco que virou o manto dos meus bandidos
esfarrapados, descrentes,entorpecidos
presos no farol doutro lado da goteira

O autismo não te colocou
chinelos nas idéias hoje?
nem um mero telefonema de adeus
da tua nobre histeria?

observo a paisagem torturada
as línguas mortas que ousaram
o teatro dos Deuses para as formigas
e dos que não saíram da cidade por causa
da inconveniência de suas alegrias selvagens
o rosto iluminado pela lascívia
e a mão tremendo gestos opacos

a iluminação dos malditos dorme ao teu lado
e lá dentro uma corda retorce
teu passo acelerado a caminho do centro
cambaleando infinitamente para fora do roteiro

Benditos aqueles que a selvageria nina.

Rita Medusa

onde se esconde a poesia?



I

esta pedra em minha mão
pedaço de um pedaço de outra pedra
não uma pedra qualquer

só ela
entre outras
em minha mão

também eu
pedaço de um pedaço de outros tantos
não me sinto qualquer

em tuas mãos

Sergio Napp

WABI SABI


 Marilia Kubota



a vida quebra
sonhos em pedaços
mas sonhando no espaço
nada quebra:
mais um elo,
um motivo,
ser mais belo
que a beleza
destruída.
(já havia aviso de asas)

* Poema do Livro: Esperando as Bárbaras. Editora Blanche.

http://www.micropolis.blogspot.com/


Curitiba. Ópera de Arame




Poética 73




assim como se tanto
te queresse e não pudesse
essa tensão levar-te a cama
a dama se desfaz
mesmo não sendo
um blues rasgado
ou rock and roll
na língua solta
pela pele em tuas costas
lambendo as curvas
por detrás da tua orelha
vermelha a blusa agora despe
baton saliva tudo como em tua boca
pode ser som de bolero
quando um beijo quero quero
a vida é muito curta pra ser pouca

arturgomes
www.musadaminhacannon.blogspot.com

lance, 1, fragmento


tudo é um jogo
de terra e fogo

a embebedar
a água e o ar."

 romério rômulo

A puta


Marcia Barbieri

"Ela(e) rompeu a borda do pote, deslizou sobre o caixote. E não era possível olhando para suas genitálias descobrir seu sexo. Tratava-se de um macho ou de uma fêmea¿ Não sei, sabíamos apenas que precisávamos de uma mulher. Foi então que o médico interveio, retirou a costela do cão sarnento, abriu a costa dela(e), implantou a nova costela, fez um enxerto com a carne das nádegas para evitar uma cicatriz viciosa, suturou. Ana vingou, linda e raivosa." 

Curitiba



ausência, 1, fragmento



na tua ausência me arraso e não me olho
não tenho asas, massas, celuloses

a minha carne resseca e eu me desfolho."

 romério rômulo

A poeta Iriene Borges






Fascismo de si mesmo I

Solitário exército interno
com cabeças cortadas ao longo da mesa
que gritam com classe
sua bandeira depois da minha
resquícios de quase uma década
o desconhecido recém feito
analgésicos para dor
decomposição espiritual
flertando com meu próprio sêmen
milhões de cabeças pelo ralo
milhões de cabeças em mesas
nenhuma cabeça erguida contra noite.
Redson Vitorino

Noite Nula


"A noite agora cerra sobre a cidade
as suas asas definitivas & então
sim, sei:
essa noite não é nada.
.................................
Num átimo porém o dia já não era
é como se dia aí jamais houvera
e essa luz não fora
senão
o sonho acalentado pelo negrume
da noite nula."

Carlos Felipe Moisés, em Noite Nula, do livro homônimo publicado pela Nankin, em 2008.


Luiz Felipe Leprevost

nenhum de nós morreu e é só o que ficou da noite sem rosto. escuta, nada agora transborda agora. alguém que chora, chora ainda lá na noite. aqui, porém, é já manhã e nenhum de nós deixou de estar. não mostra, Senhor, o lado em que os lados findaram, mas o desfocado dos pássaros. bichos acostumados ao cativeiro, as lágrimas agora se atrofiam.

ATÉ QUE A MORTE NOS REDUZA




a esta carcaça
que já não somos
a este feixe de músculos nervos ossos
sem memória
sem livre-arbítrio
para beber mais um trago
ou praticar maldades
ou enganar trouxas
ou escrever poemas
esta provisória carcaça
que demorou tanto
para perceber
que sem aquilo que alguns chamam de alma
outros de ânima
e outros não chamam de nada
era realmente
nada

ainda que fosse tudo o que tínhamos
para viver a vida

Ademir Assunção
21/05/2013

Poeta Alvaro Posselt




Alvaro Posselt   

Não me deixe confuso
Seja direto como o prego
sem voltas de parafuso


               
Tão breve quanto o agora
Não me deixe confuso
Seja direto como o prego
sem voltas de parafuso

p. 76

Poeta Altair de Oliveira






Líamos os objetos no corredor.

Oh mundo enigmático!
Uma máscara deita seus olhos

Era aquela que conhecia
o terreno particular das texturas
A que adormecia ofendida
Nas areias dos poços sem fôlego
Existir era um ponto de mácula importado
Nas paredes demolidas de um sonho em preto e branco

Fui negação por quase todo o intervalo
Entre a punhalada e a carícia
Para me render em drops falidos
Inalações disfarçando laços de fogo

Golpe único
Golpe solitário
Jugulares enterradas na palma da mão
Não querem ser salvas

Era aquela desfigurada
Para roubar versos de lábios roxos
Delicados rumores suspendendo corpos ausentes

Era o jardim em que me deitava
Para não saber das urgências
Fluía carne e pó
Uma única delícia
Na santificada tormenta

Rita M.

SÚPLICA




eu sei que tem em mim algo de muito triste
flor ao pé de uma cruz esquecida em um túmulo
lágrima por um amor que nem mais existe
marido que da esposa e filhos perde o rumo

eu sei que tem em mim algo de muito triste
criança amedrontada chorando no quarto
pássaro na gaiola sem água e alpiste
mão com agulha interrompendo vida e parto

eu sei que tem em mim algo de muito triste
jovem viciado de boca na sarjeta sem saída
velho choramingando sem saber por que desiste
fotografia de alguém no passado, amarelecida

eu sei que tem em mim algo de muito triste
que não está no fundo de um copo de uísque
e nem no verso que me faz perder o apetite
então, por favor, se for pesadelo, me belisque!

antonio thadeu wojciechowski

Nascer da Lua .



Que coisa mais bêbada! Onde estou? Que data?
Meus pensamentos ciciam belezas neste momento.
Minha noiva noite de puro encantamento,
Eu firo o violão amoroso em notas de prata!
.
Soam ao redor da lua mares de tranqüilidade,
Mas a luz da Lua, espelho, vem de longe.
As pessoas simples apaixonadas na cidade
Amam o poeta sem saber como, quando, onde!
.
É para elas que quebro o meu coração
Ou enlouquecer de alegria tem outra razão?
.
Antonio Thadeu Wojciechowski

Júlio Alves

tinha uma graça estranha
enredar-se nas teias tramadas
por uma aranha chamada

via
estrada
tua entranha

caminho feito de fio fino
paralelas hexagonais
partindo do centro
ruma ao infindo espaço

arranha a margem
aranha tem a manha
no enrolar
a presa


Alexandre França


Nada mais pesado,
Um quarto escuro
Num dia de sol.
A minha cabeça
Acumula nuvens
Para o próximo
Temporal.

Ocupação Nova Primavera/ Curitiba. O Contestado é agora!



A6, às seis e meia
Na parede da porta
Fechada para a infância
Debaixo da casa assustada.

A6, na parede trancada
Da porta sem entrada
E, sem saída
Para a infância se esconder.

A6. Só letra e número.
Sem música, sem dança...
Mas, colorem duas, três, ou,
mais crianças
Que se iludem em escrever
E, lançar luzes pulsantes
Sob imagens delirantes
Que alguém pintou para ser
Gente.

A.G.



canto antenado e,
asas em sintonia
com a frequência dos voos
antenopássaros 

A.G.

quarta-feira, 22 de maio de 2013


Nydia Bonetti

camuflagem / há predadores por todo canto
adapto-me
antes
que me devorem
sou rápida / nem tanto / quanto
precisaria
mas sobrevivo
mimética / a cada verso que leio
me transfiguro
de alguma forma
a minha voz é tua/todas as vozes/nenhuma
todo silêncio

Se for a do português não me explic plac
se for a do big bang
não me tic TAC

antonio thadeu wojciechowski, 

BEM PENSADO




por favor façam silêncio
o lenço que tiro do bolso
torço muito para secá-lo
ralo tanto nessa vida
lida de quem faz verso
converso pensando
ando no fio da esgrima
rima na cara dura
segura que a vida é tua
atua sem ter dublê
você nunca foi tu
tatu tatuou o cu
urubu achou uma bosta
a próstata cresceu
e aí fodeu


antonio thadeu wojciechowski

ACABEM COM ISSO ANTES QUE EXTERMINE


O Leminski um dia estava muito triste, me ligou e pediu uma “presa”. Naquela época eu sempre tinha um do bom e tirei a tarde para conversarmos. A Alice trabalhava na Umuarama Propaganda e as filhas, Áurea e a Estrela, estavam na escola. Fumamos unzinho e abrimos umas cervejas, a tristeza, aos poucos, foi se dissipando como a fumaça dos nossos intermináveis cigarros. Ficamos completamente loucos e, em altos brados, as profecias começaram a acabar com o mundo. Lembro de uma do polaco: ”Poeta, não são pessoas como nós que vão acabar com o mundo. A gente é outro papo, a gente vive de brisa e brasa, poesia e música. A gente é do tipo “que loucura”. A merda vai acontecer quando milhares de físicos nucleares desempregados começarem a ser contratados por um salário mínimo para serem artífices de artefatos nucleares que vão nos mandar pelos ares. Os psicopatas endinheirados, os imperialistas, esses caras, Thadeu, não tem a menor ideia do que seja viver com arte, paz e sabedoria. Eles querem é vender a sua mercadoria até o fim do mundo.” Rimos como só duas almas puras conseguem fazê-lo. E a tarde foi virando noite até chegar a Estrela. Hoje me lembrei dessa conversa e escrevi o texto que está no primeiro comentário. Leia antes que acabe.

ACABEM COM ISSO ANTES QUE EXTERMINE

não foi o sonho que acabou
foi o pesadelo que começou
aqueceram e entramos numa fria
a Terra não é uma refinaria

nem fábrica de bugigangas,
quinquilharias e miçangas
obaoba de índio era espelhinho
hoje qualquer iphonezinho

as cidades do mundo bombam
vendem e contam, montam e apontam
compram até o cu fazer bico
indústrias efeito estufa e maçarico

pra cada um, um carro atômico
linha de produção de gás carbônico
solitários indo a lugar algum
cantando skindolelê ziriguidum

vaidade vaidade, vai, idade das trevas!
toda essa multidão andando às cegas
e a calota polar tramando um calote
a sangue frio como o conturbado Capote

cabe um congresso na bolsa educação
enche a barriga do senado o vale refeição
os pobrinhos do vale gás, vale moradia,
vale tudo, vale uma vida de menor valia

e pensar que o paraíso morava aqui
andava sobre as águas calmas do rio Barigui
nem sei o que seria se o que foi ainda fosse
mas acabou-se o que era doce

antonio thadeu wojciechowski


a lâmina fina
lágrima de riso
leito tua face
duas paralelas
um único
sentido

coração
bate em
uníssono

dois peitos
um só leito
lágrima
lenta
alimenta
rio.

Júlio Alves

O que é o Amor.


 De Mara Paulina Arruda.

Aos quatorze anos Juvenildo conheceu o primeiro amor.Chegou na escola todo contente por que tinha beijado Marcela pela primeira vez: um beijo de língua, um abraço apertado. E sem perguntar a ninguém se queriam ou não saber daquele caso foi contando do lugar aonde aconteceu à experiência mais importante de sua vida. Os carros passavam freneticamente ao meio dia. Eles, estavam entre a rua e a ponte do rio que corria próximo de sua casa.

Marcela tinha os olhos pretos como duas jabuticabas, os cabelos curtos e um corpo entre magro e gordo. Ela era uma fofura.
Juvenildo, quase do mesmo tamanho dela depois do beijo não saberia dizer onde estava, onde colocava as mãos e o que fazer ali no meio da ponte num horário impróprio para o amor. Passaram-se minutos, talvez segundos, inesquecíveis, adoráveis até a sua mãe chegar. E, nem bem chegou puxou-a para casa.

Juvenildo por alguns minutos tentou segurar aquela presença, o gosto de sua boca e aquele olhar, cada milésimo de segundo vivido pelos dois. Ouviu, rapidamente, alguém que disse no passar de carro que ali não era o lugar devido para ficarem se beijando, que ele fosse para casa que era lugar de criança...não deu bola! Afinal, o que é o amor?

Adriana Zapparoli

colorindo o equilátero, feito citologia de eritrócito, sátira testemunha, se via o eleito na simulação de ressarce-lepdóptero. na concatenação, ele um helicóptero, uma ilha de disfarce, caindo sobre as suas unhas, suas penas e a sua face de esquizócito.

a louca


a louca

e não a entendemos,
essa que busca
sóis fora de si.
não a entendemos
como se entende
um figo
ou uma pedra.
interroga a vida mineral,
e os cachorros,
dialogando
com musgos
e um arco-iris
invisível.
nem um mimetismo
a salva.
apenas uma dança
de gestos patéticos
que insiste em retirar nuvens
de garrafas verdes

(marilia kubota, diário da vertigem).

Rita Medusa

eu só queria escrever a tua pele na boca do sol. simples assim. minha escrita já não me acolhe há muito tempo. fere-me com vícios de linguagem e amarras no pensamento, chicotes,lenitivos, coleiras para cães selvagens. tornei-me meu próprio joguete. estou poluída e triste dentro dos piores dos meus laboratórios. ter consciência plena destas coisas, com uma franqueza absurda, isso sim me vale.conscientizar-se e verbalizar não tem volta. é melhor então que eu escreva teus absurdos de esquina ciumenta na minha própria boca.

terça-feira, 21 de maio de 2013


Senhor


 Jamil Snege

Hoje amanheci insatisfeito.
O pão estava amargo
e até o jornal que leio
todos os dias me pareceu de
uma insipidez atroz.
De repente, Senhor, lembrei-me
dos que não lêem jornais -
mas os usam para embrulhar
restos de pão que os paladares
amargos deixam no prato
após uma noite insatisfeita.
Como deve ser delicioso
esse pão, Senhor,
depois que tu o adoças com
tua própria boca!

Às vezes lamento minha
má sorte - e o que me espera
em seguida é um dia luminoso.
Às vezes bendigo minha
fortuna - e logo após um
furacão desaba sobre minha cabeça.
Brincas comigo, Senhor?
Ou será que devo lamentar
a minha fortuna e bendizer
a má sorte como se o avesso
e o direito fossem iguais
para ti?

Quando eu era pequeno,
topava contigo a cada instante.
Adolescente, passei
a encontrar-te cada vez menos.
Adulto, duvidei que
algum dia tivesse visto o
brilho de tua face e
te busquei incessantemente
por todos os caminhos.
Não te encontrei,
Senhor, nem poderia.
O piolho que segue na juba
do leão jamais terá
consciência de que possui um
leão inteiro.

Tenho procurado por
todos os meios me destacar
dos demais.
É minha a intervenção mais
inteligente, o lance
intelectual mais audaz.
Procuro as luzes do palco
com o mesmo fervor
com que o peregrino procura
a tua face.
Que tolice, Senhor.
Dentro de alguns anos, numa
tumba escura, que
artifícios usarei para
chamar a atenção sobre o meu
pobre crânio descarnado?

Para onde vai o canto,
depois que os
lábios se fecham?
Para onde vai a prece,
depois que o coração silencia?
E os rostos que amamos
para onde vão, senhor,
depois que nossas
pupilas se transformam
em gotas de lama?
Ontem vi uma andorinha
que devia ter uns
cinco milhões de anos.
Será que eu também
sobreviverei
ao que restar de mim?

Quando menino, nascido
serra acima, o que
mais eu desejava era o mar.
Eu queria apenas o mar
a mais nada - para nele
desfraldar meus
sonhos marinheiros.
Fui crescendo e ampliando
meus desejos.
Uma casa junto ao mar,
um barco a motor, festas,
empregados, piscina.
Obtive tudo isso, Senhor.
Mas aí então o mar dentro de
mim já havia secado

Não sou melhor que
uma pedra, uma folha,
a madeira de uma ponte,
o pó das estradas.
Sou apenas mais frágil,
Senhor, pisa-me com carinho.

Na minha infância, havia
um jogo que consistia
em se colocar um porquinho-da-índia
no interior de um círculo
formado por
casinholas numeradas.
Vencia aquele cuja
aposta correspondesse ao
número do esconderijo
escolhido pelo animalzinho.
Nunca mais vi esse jogo,
Senhor, mas eu sei que
alguns religiosos continuam
a praticá-lo contigo.
Cercam-te com suas
igrejas almiscaradas -
e correm a vendar apostas
aos seus fiéis.

A última tentativa
de me entrevistar contigo
foi um grande fracasso.
Acendi incensos, decorei com flores
- e nada de ti, Senhor.
Amanheci frustrado e
fatigado como se dançasse
a noite inteira nos infernos.
Resolvi então fazer
tudo ao contrário: dancei,
me embriaguei, libertei
fantasmas, invoquei
demônios.
Tive um sono embalado
por anjos em doces paragens
celestiais.
És sempre assim, Senhor?
Imprevisível? Desconcertante?

O velho índio foi encontrado
vagando pela floresta,
aparentemente perdido.
Perguntaram-lhe. Respondeu
cheio de brios: "Perdi
foi minha casa; não consigo
encontrá-la".
Quanta lição, Senhor.
O homem pode perder sua casa,
sua rua, os rostos que
ama - sem jamais se perder
de si mesmo.

Um dia tu serás demonstrado
cientificamente,
como o eletromagnetismo e
a gravitação universal.
Professores te reproduzirão
em laboratório,
crianças enfeitarão com tua
fórmula suas mochilas
e os grafiteiros rabiscarão
teu princípio pelos muros
da cidade.
Nesse dia, Senhor, alguém
estará restabelecendo
teu mistério... à luz
de uma vela, numa galáxia
bem distante.

Ontem não fui solicitado
como gostaria de ser.
Ninguém me pediu conselhos,
ninguém fez caso
de minhas opiniões -
até pareceu que o mundo
e as pessoas poderiam viver
bem melhor sem mim.
Sensação terrível, Senhor.
E pensar que já passei
dias e meses da minha vida
infligindo idêntico
tratamento a ti...

Não ouças qualquer
juízo que eu faça sobre
meu semelhante.
Amordaça-me.
Corta minha língua.
A pessoa que acusei
de furtar minhas luvas
não tinha mãos.

Ontem vi um jovem preso
a uma cadeira de rodas.
Mãos, pernas, tronco -
imobilizados numa rigidez
de pedra.
De vivo apenas seu olhar -
atento, vigilante,
como se contemplasse tudo
das alturas.
Que expressão, Senhor,
que força poderosa...
Tua puseste todos os seus
músculos ali.

Tenho pensado ultimamente
em comprar um carro novo.
Trabalho com afinco,
faço tudo o que devo fazer,
mas nunca me sobra dinheiro.
Outro dia, fazendo
minhas contas, cheguei a
botar a culpa em ti: "Deus
não tem me ajudado".
Que vergonha, Senhor.
Tantos homens trabalharam
com afinco a vida toda,
fizeram tudo
o que podiam fazer,
e jamais te pediram sequer
a passagem do ônibus...

Dois meninos, magrinhos,
irmãos, aproximam-se
do balcão de pães.
Escolhem um bem pequeno -
o que pode comprar a moeda
que um deles guarda no
côncavo da mão.
Saem os dois com seu
pãozinho - uma fome tão
antiga, entre acrílicos
e colesteróis.

Eu gostaria de ajudar
todas as crianças pobres,
carentes, desnutridas.
Gostaria, Senhor...
mas tenho a alma fatigada
de proteínas.
Ontem, por uma fraqueza
de caráter, resolvi
separar as pessoas de meu
convívio em dois blocos distintos
- os bons e os maus.
Que terrível, Senhor.
Depois de muito ajuizar,
os bons me fitavam com
expressões demoníacas
enquanto os maus, todos,
me exibiam a tua face.

Um homem mata outro e
tu o consentes.
O perverso agride o inocente
e tu não o fulminas.
O poderoso humilha o fraco
e tu aumentas-lhe o poder.
Que Deus és tu,
Senhor, que tudo podes
e tudo permites?
Que deus extermina órfãos
e ilumina a face dos
tiranos com os carmins
da longevidade?
Não respondas, Senhor,
não digas nada.
É esse mistério que me atrai
irremediavelmente a ti.

Toma a máquina do meu
corpo e nela
transporta socorro para
os teus aflitos.
É de pouca serventia,
Sei - o coração me arde,
meus músculos estão
fracos - mas podes
usá-la à exaustão.
E quando não mais prestar,
Senhor, escolhe uma tíbia
e faze uma flauta.

Hoje sairei à caça de lucros,
exatamente como o faço
todos os dias.
Tentarei ser o mais astuto,
o mais sagaz, e a terra
tremerá sob meus pés.
No entanto, Senhor, vai
comigo um menino magrinho,
olhos distraídos, que
não consegue entender por
que meus interesses
são mais importantes que
as nuvens e as borboletas.

Conserva-o assim, Senhor.
Mesmo que ele me atrapalhe,
mesmo que
me obrigue a ceder
no momento em
que preciso ser duro e inflexível,
conserva-o comigo.
E se um de nós não voltar,
Senhor, que seja eu - não ele.
Posso viver bem melhor
sem mim.

Já inspecionei a proa,
amarrei a carga,
desatei a vela.
O vento sopra forte e
enfuna meu coração de alegria.
Agora é contigo, Senhor.
Toma o leme e risca
o rumo do meu barco - não
penses que irei por
este mar sozinho.